segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Carta Maior - Por Fábio Nassif, da aldeia Takwara (Mato Grosso do Sul)

Nove anos depois do assassinato do cacique Verón, expedição registra conflito de terra no MS

Expedição de profissionais ligados à questão indígena e militantes de diversas áreas ficará até o dia 25 na região acompanhando a situação dos indígenas. Iniciada no último dia 10, a expedição que homenageia o cacique assassinado por jagunços, a mando dos fazendeiros locais, produzirá um relatório e um documentário para denunciar as ameaças de morte e exigir a demarcação dessas terras indígenas. A reportagem é de Fábio Nassif.

No último dia 13 de janeiro, há nove anos do assassinato do Cacique
Marco Verón, liderança guarani-kaiowá de Mato Grosso do Sul, indígenas
da aldeia Takwara fizeram uma cerimônia em sua homenagem. O cenário
ainda é de violenta e cotidiana disputa pelas terras. A cerimônia,
chamada de Yvy ra'i nhamboaty, foi realizada durante uma expedição de
profissionais ligados à questão indígena e militantes de diversas
áreas, que ficará até o dia 25 na região acompanhando a situação dos
indígenas.

Iniciada no último dia 10, a expedição que homenageia o cacique
assassinado por jagunços, a mando dos fazendeiros locais, produzirá um
relatório e um documentário para denunciar as ameaças de morte e
exigir a demarcação dessas terras indígenas.

Motivada pela morte de 260 indígenas nos últimos nove anos, a
expedição, composta por geógrafos, jornalistas, psicólogos, advogados
e educadores, tem se deparado com os problemas vividos nas aldeias. A
pressão do agronegócio - principalmente da cana e da soja -, a
violência dos fazendeiros, jagunços e empresas de segurança privada,
a ausência - ou presença equivocada - do Estado fazem do Mato Grosso
do Sul um dos principais palcos de mortes indígenas.

Portas fechadas
No dia em que a equipe da expedição foi recepcionada pelos
guarani-kaiowá na aldeia Laranjeira Nhánderu, localizada no meio de
uma plantação de soja no município de Rio Brilhante, os responsáveis
pela fazenda colocaram caminhões e um globo de aço de arar terra na
entrada para impedir a circulação de pessoas no local. Dentro de
caminhonetes, homens armados rondaram a entrada da aldeia, deixando
todos em estado de alerta.

O gesto de intimidação foi respondido por contados da expedição com a
Funai, a Polícia Federal e entidades de direitos humanos. Para evitar
mais um ataque aos indígenas, decidiu-se telefonar para o
representante do Ministério da Justiça, Marcelo Veiga, para reforçar o
envio de ajuda aos indígenas.

Três agentes da Polícia Federal e dois da Funai chegaram ao local, e,
depois de conversar com os donos da fazenda, se entenderam com os
índios. A presença deles ajudou no desbloqueio do caminho, mas
explicitou as limitações desses órgãos para lidar com este tipo de
confronto.

Diferente do entendimento comum de que a Funai deve defender os
direitos indígenas, a responsável pelo órgão no estado, Maria de
Lourdes, afirmou que "o papel da Funai é mediar conflito entre os
fazendeiros e os indígenas", mesmo em casos como esse, onde a terra
está em litígio (aguardando julgamento) e historicamente pertence aos
guarani-kaiowa. Maria de Lourdes reconheceu que, em algumas áreas onde a expedição pretende passar, a Funai e a Polícia Federal não atuam
devido ao poder e agressividade dos fazendeiros.

Injustiça e violência
Também cercada pelas enormes plantações de soja, a aldeia Taquara
vive situação semelhante: rios poluídos pelo despejo de agrotóxicos,
tamanho limitado das terras que impede o plantio para subsistência,
indefinição jurídica do local e ameaças de morte. O cacique Ladio
Veron é um dos que estão marcados para morrer na lista dos
fazendeiros. Ele passou o seu aniversário lembrando do dia em que os
jagunços o seguravam, enquanto matavam seu pai na sua frente. Os
assassinos, mesmo condenados, vivem em liberdade.
Nos locais do assassinato e enterro do corpo do cacique Marco, sua
filha, Valdelice, segurando a neta Arami, reafirmou que "a luta do
povo guarani-kaiowa não vai parar". A água da chuva se misturou com
as lágrimas desta família, pertencente a um povo que resiste e vê
sangue jorrar em suas terras, desde a colonização até agora, quando o
projeto de desenvolvimento do país os condena à luta com fazendeiros e
à morte por envenenamento por agrotóxico

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